Crítico musical e o humor involuntário

Comer Caetano? Tô fora!!!O grande Walter Carrilho fez uma postagem hilária desancando a última obra sanitária de Caetano Veloso, “Zii e Zie” (Que porra é essa? Nome de videogame da Nintendo?), aproveitando também para esculhambar com os críticos musicais mela-cueca. No texto, ele pinça algumas das mais absurdas resenhas escritas sobre o disco, com os devidos comentários acerca das notas, digamos, eruditas.

 Dei muita risada com as frases, mas uma me chamou a atenção: falava sobre “devoração gozosa” e “levar ao âmago da criação de Caetano”. Achei que de onde veio essa teria muito mais. E resolvi procurar o texto, que está transcrito aí embaixo. Algumas recomendações são importantes. 1) Evite ler quando o chefe estiver por perto. O texto é garantia de risadas, e elas podem não ser bem recebidas; 2) O texto está na íntegra, justamente para ninguém lincar no texto original. Seria dar publicidade demais para tal cretino. 3) Procurem o “Dicionário do Crítico Metido a Besta”. Você vai precisar dele.

Que Caetano Veloso é atemporal e multimídia, que sua obra se renova a cada trabalho, que suas opiniões podem ser por vezes controversas e, quem sabe, acintosamente “erráticas”, que sua presença é fundamental para a compreensão da história cultural do país, tudo isso e mais um pouco constituem fatores de conhecimento geral, mesmo para aqueles que se Não é assim que vão comer Caetano...dizem enfastiados do artista mas que, às escuras, busca Caetano em suas inúmeras interfaces – e, saiba-se, temos “Caetanos” para todos os gostos, como na canção antropofágica de Adriana Calcanhoto para o poeta – Vamos comer Caetano?

Sim, porque só uma “devoração” gozosa é capaz de nos levar ao âmago da criação de Caetano, principalmente desse “novo” que se apresenta em Zii e Zie (Universal Music), recente álbum que expõe algumas de suas composições experimentadas anteriormente na internet (em blogs e sites).

E agora adjuntas a um bojo de outras canções que, ao serem contempladas na ordem seqüencial do disco, traçam conceitualmente um quadro de nossa condição humana atual, a do homem contemporâneo diante de uma realidade universal, cerceado pela necessidade de uma atitude que, simbolicamente, torna-se cada vez mais inatingível.

Numa tênue contigüidade experimental similar ao antológico Cê, de 2006, o novo Zii e Zie se amplia em diferentes abordagens temáticas, conseguindo explorar nuances anímicas constantes na obra do compositor – a presença do amor, do erotismo, do desejo -, porém articuladas, e vinculadas, a temas densamente políticos e sociais, como em Perdeu, na qual se pari, cospi e expeli “um deus, um bicho, um homem”, personagem assumidamente situado entre a mítica pândega e a marginalidade destino-único da vida real, sem a alegoria de um Meu Guri, de Chico Buarque, cujas temáticas se assemelham, mas em Perdeu com foco condicionado distanciadamente, como numa narrativa filmográfica.

Flashs e retratos nesse mesmo viés temático reaparecem na corrosiva Falso Leblon, na qual o interlocutor se desnorteia entre “ecstasy (bala), balada”, “drogas” e a “vã cocaína” à qual se nega, inventário obscuro que se contrapõe ao idílico teor poético do refrão: “Ai amor /Chuva num canto de praia no fim / Da manhã / E depois de amanhã?”. A “Pasárgada, “Youkali”, ou a “Maracangalha” do poeta se revela como uma ponta de expectação no caos de uma Leblon falseada.

Cosmovisão? Guantánamo?Mas a acidez crítica dessa cosmovisão atinge seu ápice em A Base de Guantánamo, na qual Caetano traz à tona, e ao conhecimento de novas gerações, a existência duradoura da base naval criada pelos norte-americanos, no sudeste de Cuba (antes da entrada de Fidel Castro – a ocupação fora em 1903), onde prisioneiros iraquianos, do Afeganistão, entre outros, mantêm-se exilados e torturados, com seus direitos humanos desacatados pelas forças norte-americanas (tampouco a ONU consegue intervir nessa nevralgia histórica). Se em Haiti, política canção em parceria com Gilberto Gil (de 1993), a narrativa fazia emergir a realidade miserável tragicamente elidida pela soleira americana numa comparativa equivalência com a terra brasilis, A Base de Guantánamo sinteticamente anuncia a tônica histórica quase como um depoimento confessional, crua e curta, seguido de um refrão que, inevitavelmente, reitera-se numa ação hipnotizante.

A tessitura já desgastada pelo “simbólico” não abala o compositor, que penetra nas nervruras impactantes de uma situação histórica cruelmente real e impensável. O dramaturgo alemão Bertolt Brecht perguntara: “em tempos sombrios se cantará também?” E a resposta do escritor, muitas décadas depois, conjumina com a de Caetano: “também se cantará sobre os tempos sombrios”.

Sem perder a ternura, mas mantendo o estoicismo por ser um dos principais pensadores de nossa geração, Caetano consegue matizar o CD com leves canções, não como uma forma de atenuar a tensão temática trabalhada nas referidas, mas sim para reiterar que sua fala poética é por demais abrangente diante do turbilhão-mundo que se perfaz sob seus olhos, captando belezas e horrores, proezas e façanhas, contradições e verossimilhanças.

Deste modo, faz coexistirem “meninas pretas de biquini amarelo” com moças “em aparição transatlântica”, dá razão ao roqueiro Lobão em sua sentença “chega de verdade” atribuída à mulher, diz desentender uma canção de Madona, desacredita em Deus “diferentemente de Osama e Condolezza”, e dependura oniricamente, nos arcos da velha Lapa, Guinga, Pedro Sá e o presidente Lula, num matulão que só mesmo Caetano, sempre jovem e aguçadamente atento, pode sentenciar ao pronunciar “amar nosso tempo”.

E num arremate não menos poético, reverencia e traz de volta à nossa memória a grande Clementina de Jesus, foz-matricial de toda uma negritude desfeita no fazimento do Brasil, ao regravar os sambas Ingenuidade (do desconhecido Serafim Adriano) e Incompatibilidade de Gênios (de João Bosco e Aldir Blanc), duas peças emblemáticas da obra de Rainha Quelé.

Levado e acompanhado pela bandaCÊ, em arrojados e modernos arranjos de Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado (além do próprio autor), Caetano Veloso consegue transar sambas e rocks, legando mais um antológico disco para nossa atual carente cultura brasileira.

Alguém entendeu alguma coisa. Eu também não…

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5 Respostas to “Crítico musical e o humor involuntário”

  1. Amato Says:

    Fabião
    Eu fiquei olhando uns 10 minutos pra esse espaço em branco, sem conseguir escrever. É que, depois de ler um texto tão erudito como o dessa crítica do disco do Caetano, sofri um bloqueio mental. Você não informou o nome do autor, mas é fácil perceber que se trata de um escritor magistral. E o texto dele não é hermético nem ininteligível como você sugere, seu mané. Nós é que somos burros demais para compreender uma obra como essa. Assim como também não fazemos parte do seleto grupo que entende – e por isso aprecia – as músicas do Caetano. Portanto, vamos continuar na nossa bolha de ignorância. E você, deixe de fazer críticas infundadas a artistas tão iluminados.

  2. Evaldo Novelini Says:

    É exatamente em horas como essa que dou graças aos céus por ser um ignorante musical de primeira.

  3. josue mendonca Says:

    será caetano um deus?

  4. Érica França Says:

    Então…vou te dizer que me lembrei da historinha da Turma da Mônica, aquela em que o Franjinha ensina o Zé Luiz a falar como uma pessoa normal. Como o Amato, também acho que estou bloqueada mentalmente…não tenho bagagem cultural ou intelectual para comentar o texto deste autor fenomenal. Quer saber, o que eu consigo entender perfeitamente é o vídeo do Estabaco do Caetano. Aliás, este cara deveria se estabacar como o ídolo dele fez. Ia ser engraçado.

  5. Rogerio Says:

    aos que nao entendem, nao se preocupem… ele tambem nao sabia o que estava falando huahauhauhauha

    da para explicar caetano, os que gostam de caetano, e os que defendem caetano.

    Nao passam de palavras bonitas que nao dizem nada….

    Mauricio Ricardo interpretou o sentido de uma das musicas do CV com suceso….
    http://charges.uol.com.br/bobagens_ver.php?bobagem_pk=1199

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