Meu dia de torcedor coxinha

"Nossa, vou postar minha foto no Instagram agora mesmo!"

“Nossa, vou postar minha foto no Instagram agora mesmo!”

Antes de mais nada, é preciso dizer: sempre sonhei em assistir a um jogo de Copa do Mundo, seja aqui ou no exterior. Quando era criança, simulava como seria o mundial em terras brasileiras, selecionando os estádios, criando sedes e subsedes.

O tempo passou. O Brasil, a Fifa e a Copa do Mundo mudaram. Para melhor e para pior em muitos aspectos. Uma destas mudanças afetou diretamente quem curte futebol no Brasil. Ingressos caros, torcida domada, patriotismo artificial etc.

Nem por isso me furtei a assistir a uma partida. A primeira providência foi ver a Copa das Confederações, importante sob vários aspectos, especialmente como teste, dentro e fora dos campos. Sem falar que talvez seja difícil ir a um jogo da Copa do Mundo, por vários motivos.

Por isso, assisti no último domingo a México x Itália, no estádio do Maracanã. Não foi apenas o Fábio trintão, casado e pai de família que viu o jogo no estádio. Foi também o jornalista que quis ver tudo com seus próprios olhos: se o estádio ficou legal, se o público é mesmo elitizado, se ver o jogo na arquibancada está sem graça e se a estrutura oferecida é o que prometem. E, claro, era também a criança realizando o velho sonho.

Impressões de um coxinha honorário

Um torcedor coxinha que se preze tem de levar a patroa ao estádio. Afinal, é futebol para a família. Evidentemente, nunca levei namorada, ficante ou pretendente para ver jogos comigo. Ela certamente fugiria de mim horrorizada antes dos cinco minutos de partida. E quem vai ao estádio torcer por seu time pode imaginar a razão.

Fomos eu e Érica para o Rio de Janeiro no dia do jogo. Logo de cara, um aspecto positivo. Descemos no aeroporto Santos Dumont, já informados de que os organizadores pensavam em criar um ponto de retirada de ingressos ali. Havíamos agendado a retirada no hotel Windsor Guanabara, no centro da cidade, e precisaríamos pegar um metrô. Se houvesse uma fila grande, perderíamos tempo precioso. Havia notícias de que no Galeão as pessoas levaram mais de três horas para pegarem seus tíquetes.

Mas o posto no Santos Dumont realmente estava aberto. A fila era minúscula e pegamos o ingresso em menos de 10 minutos. O único senão foi uma funcionária, desatenta, que nos disse que precisaríamos mostrar um comprovante de residência para provarmos que éramos residentes no Brasil. Claro que isso não era necessário.

Paulistas e palmeirenses

IMG_0914Pegamos o ingresso, fomos para o hotel e largamos nossas coisas lá. Fui para o jogo com minha camisa azul do Palmeiras (sim, a que homenageia o velho Palestra Itália). Mas, só para não ceder totalmente ao sistema, torci para o México.

E aqui entra um fato curioso: os palmeirenses foram em peso ao Maracanã. Mais de 6 mil pessoas saíram de São Paulo para ver a partida. A maioria, torcedores do alviverde, como foi possível perceber visualmente. Em alguns momentos, havia mais pessoas com camisas do Palmeiras do que da seleção brasileira ou mesmo do Fluminense e Botafogo.

No metrô, tudo tranquilo. Três estações foram destinadas como pontos de partida para o estádio (Maracanã e São Cristóvão, na Linha Verde, e São Francisco Xavier, na Linha Vermelha). Havia recomendações para descer em um determinado ponto, de acordo com o seu setor no estádio. Mas não havia impedimentos para que se escolhesse outro caminho. Como bom coxinha, segui o roteiro preestabelecido.

Descemos na Estação São Cristóvão e foi então que eu e Érica quase deixamos de ir ao Estádio. Havia ali um grupo de manifestantes protestando contra os altos gastos com a Copa das Confederações. Nosso coração balançou. Embora não sejamos contra a realização dos torneios, sabemos o quando houve de autoritarismo e intransigência na organização, fora os gastos abusivos. E defendemos o direito de protestar, ainda mais em um momento em que as autoridades usam de violência para calar os opositores. Mas fraquejamos e fomos ao Maracanã.

No Estádio

Para entrar, tudo tranquilo. Mesmo com muita gente um tanto confusa (a grande maioria jamais havia visto um jogo no Maracanã. Talvez sequer em qualquer estádio), os voluntários e funcionários trabalharam bem. O único problema foi no acesso aos deficientes, por onde alguns desavisados (inclusive nós) tentaram passar.

Como estamos em um estádio moderno, em um torneio da Fifa, todo cuidado com a segurança era pouco. Havia detectores de metal e o procedimento para a entrada era o mesmo exigido nos aeroportos. O policiamento era intenso, mas não ameaçador. A imagem truculenta ficou com os soldados destacados para impedir que os manifestantes chegassem perto. Lá fora, havia agentes das polícias Civil e Militar, além da Força Nacional, Tropa de Choque e Guarda Municipal, ameaçadores.

Ao entrar, nos deparamos com aquilo que havíamos lido tanto nos últimos dias: o abusivo preço dos lanches e bebidas. Cachorro-quente a R$ 8, um latão de Brahma custando NOVE DILMAS (a Budweiser era R$ 12)! Pegamos uma lata de Coca, uma cerveja e uma garrafa de água. Morreu em R$ 21. Mas coxinha que é coxinha paga com gosto, afinal, é um ambiente familiar.

E era mesmo. Muitos casais, crianças e famílias inteiras foram ao estádio em peso. Muitos, de fato, nunca haviam visto uma partida de futebol em um estádio. Estavam ali para conhecer o Maracanã, seja para visitar um cartão postal, seja para saber como ficou após a reforma. Sem falar nos turistas e nos (poucos) mexicanos e italianos que foram de fato torcer por sua seleção.

“E você, Fábio? O que achou?”

Novo estádio é bonito, mas não é mais o Maracanã

Novo estádio é bonito, mas não é mais o Maracanã

Que não é mais o Maracanã. Sem discurseira contra o futebol moderno, sem reclamar da realização da Copa, sem saudosismo. É lindo, moderno, confortável. Mas não é mais o Mário Filho. Mesmo quem não tenha visto um jogo no velho Maraca sabe disso. Hoje é um estádio padronizado, muito parecido com os outros desta Copa. Uma arena, enfim, com todo o simbolismo que essa palavra traz. Não lembra em nada o velho estádio.

O público que foi ao jogo também não. E por isso pude presenciar algumas bizarrices. A primeira delas foi ouvir de torcedores sentados logo atrás de mim uma reclamação: “Porra, o telão tá com defeito”. Sim, amigos: os caras queriam era ver o jogo por um dos quatro gigantescos e modernos telões, instalados em setores estratégicos. Olhar pro campo durante a partida deve ser coisa de ralé, mesmo.

Veio o intervalo e resolvi dar um mijão. Foi então que constatei algo que me deixou estarrecido: O BANHEIRO EXALAVA UM INTENSO AROMA DE EUCALIPTO! Não, meu amigo, não era cheiro forte de desinfetante barato. Era um aromatizante fino, algo que nunca senti nem em shopping center. Achei aquilo tão bizarro quanto aparecer um anão trepando com a mulher barbada, ambos devidamente nus, em um comício político. Saí de lá tão atordoado com o cheiro quanto com a inusitada constatação.

Durante a partida, mais curiosidades. Como se sabe, todos ficam sentadinhos no novo estádio. Os assentos são fixos, você não pode simplesmente sentar em qualquer lugar. Couberam a mim e à Érica as cadeiras 1 e 2 da fileira L, no bloco 229 do nível 2. Mas houve momentos de resistência. Alguns gaiatos tentaram sentar nas escadas, mas foram convencidos a saírem de lá.

De resto, é o que se imagina. A maior parte das pessoas mal olhava para o estádio. Eles ficavam conversando, quase nunca sobre futebol. Os assuntos variavam entre a última viagem para Ilhabela, as vicissitudes amorosas de si e de outrem e amenidades diversas. Érica, que sempre se emputece com quem vai ao cinema para não assistir aos filmes, se impacientou: “O pessoal vem aqui para tudo, menos para ver um jogo de futebol, né?”. Puxado.

Deslocado

A verdade é que me senti um estranho no ninho. Ninguém gritava, ninguém vibrava. As pessoas se animavam apenas em alguns momentos de ataque das duas equipes ou em algum lance do Balotelli, a grande vedete da partida. Nos momentos em que me levantei e xinguei o juiz e os bandeirinhas (uma atitude saudável de qualquer torcedor comum), me olharam como se eu estivesse fazendo um strip tease e balançando a pança na arquibancada. Os olhares de reprovação foram fulminantes.

O único momento verdadeiramente futebolístico foi quando flamenguistas e vascaínos entoaram alguns dos cânticos típicos das torcidas locais, nada que qualquer carioca não saiba. Mas valeu pela disputa entre as duas grandes torcidas do Rio. Quando a Itália marcou o gol da vitória, foi puxado o coro: “Uh, terror, Balotelli é matador”. Legal, mas nada demais.

Na saída, tudo azul novamente: todos saíram rápida e tranquilamente do estádio, sem incidentes. No metrô, mais uma prova da elitização do público: 90% das pessoas que pegaram o transporte público seguiram para a zona sul. Pouco antes de chegar à estação, vimos novamente os manifestantes, que cantavam o hino nacional. E aqui, um momento interessante: em nenhum momento eles hostilizaram os torcedores. Muito pelo contrário: chamaram a todos a também protestar. “Vem pra rua”, diziam. Quase ficamos novamente. Mas havia um avião a pegar e uma filha a esperar. E muita história para contar.

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