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É que a gente era engajado…

maio 30, 2014

Dois garotos conversam sobre futebol em 2026

– Enzo…
– Que foi, Theo?
– Quando será que o Brasil vai receber outra Copa?
– Ih, vai demorar, cara. Tivemos uma copa 12 anos atrás. Por que você tá perguntando isso?
– Ah, porque tô vendo as notícias lá do Marrocos, onde vai ter a Copa este ano. Todo mundo celebrando, fazendo a maior festa, na maior expectativa. Imagina como vai ser quando tiver aqui de novo!
– Puxa, Theo, verdade! Imagina como deve ter sido aqui em 2014!
– Engraçado que eu procurei na internet e não achei muita coisa sobre a festa. Só uns protestos, uns negócios lá que eu não entendi.
– Pergunta pro seu pai como foi. Ele não tinha uns 30 anos quando teve a Copa? Ele deve lembrar como foi.
– Boa, Enzo! Vamos lá no bar perguntar pra ele!
– Oba, vamos!

(…)

– Pai.
– Que foi, menino?
– Como é que foi a Copa aqui no Brasil?
– O que você quer saber?
– Ah, tudo. O povo fez muita festa? A gente recebeu bem os outros torcedores? O país se pintou de verde e amarelo?
– Ué, filho, que pergunta! Em toda Copa o Brasil se pinta de verde e amarelo!
– Sim, mas a Copa é sempre em outro país. E quando foi aqui, a festa foi maior?
– Ah, filho, claro que sim. Foi uma coisa inesquecível! Faltando um mês para começar a Copa, tinha espetáculo pirotécnico todos os dias, com fogos em verde e amarelo. Todas as casas estavam pintadas com as cores do Brasil. Eu disse TODAS, sem exceção. Os desconhecidos se cumprimentavam na rua, se abraçavam, dizendo que a gente ia finalmente ter outra Copa aqui.
– Que legal, pai! E você, seus amigos, como ficaram?
– Eufóricos, Theo! Eu sempre ouvia as histórias de quando o Brasil sediou a Copa em 1950. Meu avô foi em dois jogos no Maracanã. Disse que foram os dias mais animados da vida dele. Falou da festa da torcida, da animação, da empolgação com o time. E eu não via a hora de vivenciar aquelas mesmas histórias!
– Ficou muito ansioso, seu Alberto?
– Claro, Enzo! A última semana antes da Copa eu passei praticamente em claro. Fiquei quase sete dias sem dormir direito, só pensando na Copa. Ficava mexendo no álbum de figurinhas, nos cards, nas revistas e pôsteres falando da Copa, via os DVDs…
– Ué, pai. Nunca vi nenhuma dessas coisas em casa.
– Não? Ah, filho… é que… bom, a gente perdeu na mudança…
– Ô, Alberto. Toma vergonha na cara, para de mentir pros meninos.
– Fica quieto, César!
– Quieto, nada. Não tem vergonha de ficar enrolando as crianças?
– Tomanocu, César. Vai cuidar da tua vida!
– Meninos, tudo isso aí que o Alberto tá contando aí é lorota, mentira!
– Como assim, seu César?
– Seu pai é um mentiroso de mão cheia. Ele foi contra a Copa no Brasil. Chegou a participar de manifestação de rua pedindo para não ter Copa do Mundo aqui. Ficava o dia inteiro na internet metendo o pau na Copa.
– Como assim?
– É, verdade. E quer saber do que mais? Essa foi a Copa mais sem graça que tivemos aqui desde que eu me conheço por gente. Tinha muito menos casa com bandeira, rua pintada e povo vestindo a camisa da seleção do que este ano, para você ter uma ideia.
– Sério?
– Sério mesmo. E sabe por quê? Porque teve um bando de chato que ficou falando que não tinha de ter Copa aqui, colocaram um monte de defeitos no país. Chegaram a falar que o Brasil não tinha condição de organizar o evento!
– Ué, mas o Marrocos não é muito mais pobre? Por que lá o povo tá feliz?
– Pra você ver, garoto. Aqui, o brasileiro torce pra tudo dar errado.
– Mas como alguém pode ser contra uma Copa no próprio país? Eu li uma matéria falando que o Marrocos vai faturar o dobro do que gastou!
– No Brasil também foi assim, garotos. Faturamos muito mais do que gastamos, mas ninguém pensou nisso na hora. Só ficou falando que não ia ter Copa.
– Caramba! Isso é verdade, pai?
– É… bem… filho, é verdade, sim…
– Como assim, pai? Você tem a oportunidade de ver uma Copa do Mundo, contar pros filhos, pros netos e foi contra?
– Ah, Theo. É que a gente pensou que tinha de investir em saúde, educação…
– Ué, mas o Brasil não ganhou mais dinheiro com a Copa? Não dava para investir assim mesmo?
– Ah… filho… é que naquela época a gente era engajado…
– Engajado. Hahahahahahaha.
– Ô César, não enche o saco. Você já atrapalhou demais. Some, vai!
– Puxa, pai. Se você pensava assim naquela época, então o senhor deve ter participado de várias manifestações contra os gastos com o Carnaval e a Festa do Peão, né?
– É, bem…

Meu dia de torcedor coxinha

junho 17, 2013
"Nossa, vou postar minha foto no Instagram agora mesmo!"

“Nossa, vou postar minha foto no Instagram agora mesmo!”

Antes de mais nada, é preciso dizer: sempre sonhei em assistir a um jogo de Copa do Mundo, seja aqui ou no exterior. Quando era criança, simulava como seria o mundial em terras brasileiras, selecionando os estádios, criando sedes e subsedes.

O tempo passou. O Brasil, a Fifa e a Copa do Mundo mudaram. Para melhor e para pior em muitos aspectos. Uma destas mudanças afetou diretamente quem curte futebol no Brasil. Ingressos caros, torcida domada, patriotismo artificial etc.

Nem por isso me furtei a assistir a uma partida. A primeira providência foi ver a Copa das Confederações, importante sob vários aspectos, especialmente como teste, dentro e fora dos campos. Sem falar que talvez seja difícil ir a um jogo da Copa do Mundo, por vários motivos.

Por isso, assisti no último domingo a México x Itália, no estádio do Maracanã. Não foi apenas o Fábio trintão, casado e pai de família que viu o jogo no estádio. Foi também o jornalista que quis ver tudo com seus próprios olhos: se o estádio ficou legal, se o público é mesmo elitizado, se ver o jogo na arquibancada está sem graça e se a estrutura oferecida é o que prometem. E, claro, era também a criança realizando o velho sonho.

Impressões de um coxinha honorário

Um torcedor coxinha que se preze tem de levar a patroa ao estádio. Afinal, é futebol para a família. Evidentemente, nunca levei namorada, ficante ou pretendente para ver jogos comigo. Ela certamente fugiria de mim horrorizada antes dos cinco minutos de partida. E quem vai ao estádio torcer por seu time pode imaginar a razão.

Fomos eu e Érica para o Rio de Janeiro no dia do jogo. Logo de cara, um aspecto positivo. Descemos no aeroporto Santos Dumont, já informados de que os organizadores pensavam em criar um ponto de retirada de ingressos ali. Havíamos agendado a retirada no hotel Windsor Guanabara, no centro da cidade, e precisaríamos pegar um metrô. Se houvesse uma fila grande, perderíamos tempo precioso. Havia notícias de que no Galeão as pessoas levaram mais de três horas para pegarem seus tíquetes.

Mas o posto no Santos Dumont realmente estava aberto. A fila era minúscula e pegamos o ingresso em menos de 10 minutos. O único senão foi uma funcionária, desatenta, que nos disse que precisaríamos mostrar um comprovante de residência para provarmos que éramos residentes no Brasil. Claro que isso não era necessário.

Paulistas e palmeirenses

IMG_0914Pegamos o ingresso, fomos para o hotel e largamos nossas coisas lá. Fui para o jogo com minha camisa azul do Palmeiras (sim, a que homenageia o velho Palestra Itália). Mas, só para não ceder totalmente ao sistema, torci para o México.

E aqui entra um fato curioso: os palmeirenses foram em peso ao Maracanã. Mais de 6 mil pessoas saíram de São Paulo para ver a partida. A maioria, torcedores do alviverde, como foi possível perceber visualmente. Em alguns momentos, havia mais pessoas com camisas do Palmeiras do que da seleção brasileira ou mesmo do Fluminense e Botafogo.

No metrô, tudo tranquilo. Três estações foram destinadas como pontos de partida para o estádio (Maracanã e São Cristóvão, na Linha Verde, e São Francisco Xavier, na Linha Vermelha). Havia recomendações para descer em um determinado ponto, de acordo com o seu setor no estádio. Mas não havia impedimentos para que se escolhesse outro caminho. Como bom coxinha, segui o roteiro preestabelecido.

Descemos na Estação São Cristóvão e foi então que eu e Érica quase deixamos de ir ao Estádio. Havia ali um grupo de manifestantes protestando contra os altos gastos com a Copa das Confederações. Nosso coração balançou. Embora não sejamos contra a realização dos torneios, sabemos o quando houve de autoritarismo e intransigência na organização, fora os gastos abusivos. E defendemos o direito de protestar, ainda mais em um momento em que as autoridades usam de violência para calar os opositores. Mas fraquejamos e fomos ao Maracanã.

No Estádio

Para entrar, tudo tranquilo. Mesmo com muita gente um tanto confusa (a grande maioria jamais havia visto um jogo no Maracanã. Talvez sequer em qualquer estádio), os voluntários e funcionários trabalharam bem. O único problema foi no acesso aos deficientes, por onde alguns desavisados (inclusive nós) tentaram passar.

Como estamos em um estádio moderno, em um torneio da Fifa, todo cuidado com a segurança era pouco. Havia detectores de metal e o procedimento para a entrada era o mesmo exigido nos aeroportos. O policiamento era intenso, mas não ameaçador. A imagem truculenta ficou com os soldados destacados para impedir que os manifestantes chegassem perto. Lá fora, havia agentes das polícias Civil e Militar, além da Força Nacional, Tropa de Choque e Guarda Municipal, ameaçadores.

Ao entrar, nos deparamos com aquilo que havíamos lido tanto nos últimos dias: o abusivo preço dos lanches e bebidas. Cachorro-quente a R$ 8, um latão de Brahma custando NOVE DILMAS (a Budweiser era R$ 12)! Pegamos uma lata de Coca, uma cerveja e uma garrafa de água. Morreu em R$ 21. Mas coxinha que é coxinha paga com gosto, afinal, é um ambiente familiar.

E era mesmo. Muitos casais, crianças e famílias inteiras foram ao estádio em peso. Muitos, de fato, nunca haviam visto uma partida de futebol em um estádio. Estavam ali para conhecer o Maracanã, seja para visitar um cartão postal, seja para saber como ficou após a reforma. Sem falar nos turistas e nos (poucos) mexicanos e italianos que foram de fato torcer por sua seleção.

“E você, Fábio? O que achou?”

Novo estádio é bonito, mas não é mais o Maracanã

Novo estádio é bonito, mas não é mais o Maracanã

Que não é mais o Maracanã. Sem discurseira contra o futebol moderno, sem reclamar da realização da Copa, sem saudosismo. É lindo, moderno, confortável. Mas não é mais o Mário Filho. Mesmo quem não tenha visto um jogo no velho Maraca sabe disso. Hoje é um estádio padronizado, muito parecido com os outros desta Copa. Uma arena, enfim, com todo o simbolismo que essa palavra traz. Não lembra em nada o velho estádio.

O público que foi ao jogo também não. E por isso pude presenciar algumas bizarrices. A primeira delas foi ouvir de torcedores sentados logo atrás de mim uma reclamação: “Porra, o telão tá com defeito”. Sim, amigos: os caras queriam era ver o jogo por um dos quatro gigantescos e modernos telões, instalados em setores estratégicos. Olhar pro campo durante a partida deve ser coisa de ralé, mesmo.

Veio o intervalo e resolvi dar um mijão. Foi então que constatei algo que me deixou estarrecido: O BANHEIRO EXALAVA UM INTENSO AROMA DE EUCALIPTO! Não, meu amigo, não era cheiro forte de desinfetante barato. Era um aromatizante fino, algo que nunca senti nem em shopping center. Achei aquilo tão bizarro quanto aparecer um anão trepando com a mulher barbada, ambos devidamente nus, em um comício político. Saí de lá tão atordoado com o cheiro quanto com a inusitada constatação.

Durante a partida, mais curiosidades. Como se sabe, todos ficam sentadinhos no novo estádio. Os assentos são fixos, você não pode simplesmente sentar em qualquer lugar. Couberam a mim e à Érica as cadeiras 1 e 2 da fileira L, no bloco 229 do nível 2. Mas houve momentos de resistência. Alguns gaiatos tentaram sentar nas escadas, mas foram convencidos a saírem de lá.

De resto, é o que se imagina. A maior parte das pessoas mal olhava para o estádio. Eles ficavam conversando, quase nunca sobre futebol. Os assuntos variavam entre a última viagem para Ilhabela, as vicissitudes amorosas de si e de outrem e amenidades diversas. Érica, que sempre se emputece com quem vai ao cinema para não assistir aos filmes, se impacientou: “O pessoal vem aqui para tudo, menos para ver um jogo de futebol, né?”. Puxado.

Deslocado

A verdade é que me senti um estranho no ninho. Ninguém gritava, ninguém vibrava. As pessoas se animavam apenas em alguns momentos de ataque das duas equipes ou em algum lance do Balotelli, a grande vedete da partida. Nos momentos em que me levantei e xinguei o juiz e os bandeirinhas (uma atitude saudável de qualquer torcedor comum), me olharam como se eu estivesse fazendo um strip tease e balançando a pança na arquibancada. Os olhares de reprovação foram fulminantes.

O único momento verdadeiramente futebolístico foi quando flamenguistas e vascaínos entoaram alguns dos cânticos típicos das torcidas locais, nada que qualquer carioca não saiba. Mas valeu pela disputa entre as duas grandes torcidas do Rio. Quando a Itália marcou o gol da vitória, foi puxado o coro: “Uh, terror, Balotelli é matador”. Legal, mas nada demais.

Na saída, tudo azul novamente: todos saíram rápida e tranquilamente do estádio, sem incidentes. No metrô, mais uma prova da elitização do público: 90% das pessoas que pegaram o transporte público seguiram para a zona sul. Pouco antes de chegar à estação, vimos novamente os manifestantes, que cantavam o hino nacional. E aqui, um momento interessante: em nenhum momento eles hostilizaram os torcedores. Muito pelo contrário: chamaram a todos a também protestar. “Vem pra rua”, diziam. Quase ficamos novamente. Mas havia um avião a pegar e uma filha a esperar. E muita história para contar.

O legado de Dunga

fevereiro 15, 2010

Vamos à Copa de 2010 com um técnico inexperiente. Até assumir a Seleção Brasileira, Dunga tinha atuado como treinador apenas em prosaicos jogos de Show Ball. Mas ele conseguiu se virar bem no duro teste e desembarcará na África com o apoio de quase toda a mídia esportiva. Mas independente do resultado na Copa, ele já terá deixado o seu grande legado: resgatar o respeito perdido por anos de mercantilismo.

Há muitos anos a Seleção Brasileira deixou de ser uma instituição respeitável para virar a Casa da Mãe Joana. Nenhum país de respeito mandava seu time ao Brasil para nos enfrentar. E mesmo lá fora, os únicos amistosos eram com seleções pra lá de inexpressivas, que pagavam os olhos da cara para enfrentar os brasileiros. Sabe aquelas superbandas de rock que nunca vieram ao Brasil no auge mas que, depois de decadentes passam a vir aqui ano sim, ano também? Pois. Este era o rumo da Seleção Brasileira até Dunga assumir o comando.

Lembro que, até a Copa de 2006, a última seleção de ponta da Europa a disputar um amistoso decente em território brasileiro foi a Alemanha, no longínquo 1991. Anos depois, a Holanda veio para cá. Mas os filhos da puta estavam tão a fim de jogo que se entupiram de acarajé e caipirinha na noite anterior e tiveram uma disenteria coletiva durante o jogo. Vergonha total. Para eles e para nós também.

A desmoralização não se restringia aos adversários. Os próprios jogadores brasileiros agravavam o quadro. Nego só vestia a amarelinha para se valorizar e conseguir contrato com equipes de ponta da Europa. Quem já estava nestes clubes defendia a seleção apenas se não tivesse nada melhor para fazer. Dunga sofreu isso na Copa América: convocou todas as estrelas, mas só Robinho veio. Com um time B, o Brasil atropelou os rivais argentinos na final e se sagrou campeão. A grande virada estava para começar.

Em pouco tempo, muita coisa mudou. O Brasil já fez amistosos importantes contra Inglaterra e Itália e recebeu Portugal, que não é uma potência mas contava com o então melhor jogador do mundo: Cristiano Ronaldo. O fato de o atacante ter jogado a partida foi muito mais significativo do que parece à primeira análise.

Essa metamorfose da seleção afetou os próprios torcedores. Eles perceberam a importância de alguns valores que, até então, estavam esquecidos: raça, amor à camisa e, o mais importante, comprometimento. Os comerciais de TV que abordam a Copa deixaram de lado o discurso celebratório do futebol-arte e defendem uma seleção formada por jogadores que se entregam. Isso tudo não aconteceu por acaso e devemos a Dunga. Podemos até jogar mal e não sermos campeões, mas a semente da dignidade foi plantada, só precisa ser regada nos anos vindouros.