Estava para escrever um texto sobre a novelização do jornalismo, puto que estou com a série de notícias sem nexo, ou simplesmente sem nenhum acontecimento relevante, que assolam desde os grandes jornalões, como a Folha, o Estado e O Globo, até os periódicos ditos “do interior”, incluindo aqui os diários de Mogi das Cruzes. Mas a decisão do STF de acabar com a obrigatoriedade do diploma fez com que eu não pensasse em outra coisa.
Não quis escrever sobre o assunto desde então porque a revolta era grande demais e certamente o texto teria muito mais palavrões e pragas rogadas do que qualquer outra coisa. Hoje, um pouco mais calmo (mas ainda devidamente puto), vou discorrer sobre os argumentos utilizados pelos defensores desta aberração recém-aprovada:
ARGUMENTO 1: Ah, mas o diploma é um obstáculo à liberdade de imprensa!
RESPOSTA: Não tem nada mais ridículo que gente que repete o que os outros falam e não pensa no que acabou de falar. Meu filho, pare e pense: estamos na era da internet. Qualquer analfabeto pode criar um blog, escrever o que der na telha, inclusive fazer algumas matérias e/ou colunas, se for o caso. De onde você tirou que o diploma atrapalha a liberdade de imprensa?
E mais: sabe porque muitas falcatruas não chegam ao público? Porque políticos e empresários aliciam jornais e revistas, para que não publiquem os podres. Em algumas cidades, inclusive na Grande São Paulo, o caminho é inverso: donos de jornais chantageiam políticos, ameaçando-os com dossiês fabricados pela redação: se não rolar grana, publica-se tudo. Os ameaçados cedem e a notícia terrível nunca é publicada. Agora, todo mundo acha que encher uma redação com pessoas não-formadas em jornalismo vai mudar isso.
ARGUMENTO 2: Ah, mas jornalismo não se aprende na faculdade. Jornalismo é vocação.
RESPOSTA: Medicina também é vocação. Quantos médicos já não conheci que me disseram sonhar com a profissão desde pequeno? Que pediam kits médicos de brinquedos na infância, que auscultavam o coração do pai e da mãe quando voltavam da escola? Isso é vocação. Agora, você se submeteria a uma cirurgia feita por esse “médico com vocação” se ele não tivesse feito curso de medicina?
ARGUMENTO 3: Se formar em jornalismo custa caro. O fim da exigência acabou com essa regra excludente.
RESPOSTA: Óbvio que é caro. Caro e difícil. Assim como é caro se formar em direito, em engenharia, medicina etc. Nem por isso se ouve falar em regras semelhantes para outros cursos. O problema aqui não é exatamente o custo da universidade, e sim a dificuldade que os estudantes da rede pública têm de encarar um vestibular numa USP ou Unesp da vida. Este é outro problema e o buraco, pode ter certeza, é muito mais embaixo.
ARGUMENTO 4: O STF acabou com os privilégios dos jornalistas, essa gente prepotente.
RESPOSTA: Jornalista não é só prepotente, é um belo de um filho da puta, também. Quem trabalha em uma redação tende a se tornar uma criatura egoísta, leva-e-traz e extremamente falsa. O que salva o jornalista de ir para o inferno sem escalas é, muitas vezes, a formação humanista que ele venha a receber nos bancos universitários. E querem acabar com isso. Aliás, porque para médico, engenheiro e advogado a exigência do diploma não é um privilégio?
Pra encerrar a postagem (mas não o assunto), alguns argumentos contra a decisão do STF:
– O piso salarial de jornalista é uma piada. Nenhum profissional, de nenhuma área, que tenha passado quatro anos em uma universidade, ganha tão pouco. Como se não bastasse, em muitas empresas se paga menos que o piso, um acinte às leis do País e um desrespeito com o profissional. Com a mudança (e o possível aumento da concorrência desleal), a tendência é que o salário caia ainda mais. Preparem-se para ver anúncios do tipo: “Precisa-se de repórter. Jornada de dez horas diárias. Salário: R$ 400,00”.
– Sem precisar de um curso universitário, os postulantes a uma vaga em jornal precisarão apenas de um curso de trainee, que nada mais é do que uma padronização do funcionário perfeito: um egoísta de mente corporativa, que diz amém para tudo o que o patrão fala pensando apenas no seu crescimento pessoal dentro da empresa. Alguém que não hesita em publicar que o rei está vestido, mesmo tento conferido com os próprios olhos que o rei está nu. A Folha tem feito isso para escolher seus profissionais e o resultado nós temos visto recentemente.
– Ou seja, o fim da obrigatoriedade tem como objetivo apenas atender às necessidades dos barões da imprensa, que continuarão a controlar a mídia da forma que bem entendem. Liberdade de expressão? Há!!